Em linha com a tendência de queda observada nos últimos meses, a Argentina voltou a registrar uma desaceleração da inflação. O Índice de Preços ao Consumidor (IPC) teve alta de 1,5% em maio, segundo informou nesta quinta-feira (12) o Instituto Nacional de Estatística e Censos (INDEC). Com isso, a inflação acumulada nos cinco primeiros meses do ano chegou a 13,3%.
O dado foi comemorado pelo governo de Javier Milei, em um país que sofre há mais de uma década com uma inflação persistente. O Ministério da Economia destacou que se trata da “inflação mais baixa dos últimos cinco anos”, igualando o índice de maio de 2020, no início da pandemia de covid-19.
Pelas redes sociais, o presidente Javier Milei — que está em viagem internacional — compartilhou uma publicação do ministro da Economia, Luis Caputo, que o chamou de “o melhor presidente do mundo”. Milei respondeu: “Luis Caputo, o melhor ministro da Economia da história argentina… de longe”.
Apesar do entusiasmo oficial, setores críticos ao atual modelo econômico alertam para os graves custos sociais da política implementada. Em entrevista ao Brasil de Fato, o economista e doutor em Ciências Sociais argentino Julio Gambina afirma que a desaceleração dos preços está ligada à queda do poder de consumo popular. Além disso, ele classifica a política do governo Milei como “essencialmente baseada” em uma orientação “ortodoxa nos âmbitos monetário, fiscal e cambial”.
“Os preços estão caindo porque houve uma redução do consumo popular, devido à deterioração da renda”, explicou Gambina, esclarecendo que, ao falar de renda popular, se refere a salários, aposentadorias e programas sociais.
O analista lembrou que, quando Javier Milei assumiu em dezembro de 2023, houve uma forte desvalorização do peso, que acelerou consideravelmente a inflação. Assim, a atual desaceleração ocorre após um pico inflacionário expressivo.
“Com a desvalorização promovida por Milei, o dólar ou de 400 para 800 pesos. Ou seja, no primeiro mês do governo, houve um aumento muito significativo da taxa de câmbio, que se refletiu diretamente nos preços. O valor da moeda, especialmente do dólar, é um fator-chave na alta de preços na Argentina”, pontuou o economista.
Nesse contexto, ele destacou que “a inflação disparou em dezembro de 2023, atingindo um recorde de 25,5% em um único mês. A partir daí, iniciou-se uma trajetória de queda”. Para Gambina, o que se observa hoje é “um momento deliberado de elevação dos preços, seguido de uma recomposição dos preços relativos desde que Milei assumiu”.
Ele também ressaltou as desigualdades internas que o índice geral de inflação oculta. “O setor de saúde teve aumento de 2,7%, bem acima da média de 1,5%, o que aponta para um retrocesso no direito à saúde. Quando falamos de saúde, nos referimos não apenas a serviços médicos, mas também a medicamentos. A Argentina está entre os países onde os remédios mais encareceram, o que representa uma perda no o à saúde”, alertou. No mesmo sentido, destacou que “a educação subiu 1,9% em maio, evidenciando que direitos essenciais como educação e saúde estão sendo cada vez mais mercantilizados”.
Aumento da desigualdade
Apesar dos indicadores de crescimento econômico apresentados pelo governo, Gambina ressalta que “esse crescimento está concentrado no consumo das camadas de alta renda, ou seja, de uma minoria da população, e não alcança os setores populares”.
Entre os exemplos que menciona, estão o “aumento do turismo internacional, o crescimento nas vendas de carros zero quilômetro e a retomada da construção de imóveis de luxo”. No entanto, adverte que “ao mesmo tempo, o consumo popular está em queda”. As vendas nos supermercados diminuem, e, no ano ado, alimentos básicos como leite, erva-mate e carne registraram quedas históricas.
Segundo ele, o que está em curso é “uma mudança estrutural na economia argentina”. “Recentemente, Milei deixou claro que não visualiza um país industrial, mas sim voltado para os serviços e aberto ao capital transnacional, o que aprofunda o modelo baseado no agronegócio.”
O economista descreve o novo arranjo como “um modelo produtivo subordinado ao capital transnacional e, portanto, uma fonte de produção e entrada de divisas que favorece a acumulação de capital no exterior e a fuga de recursos do país”.
Gambina também criticou a política fiscal do governo Milei. “Houve um corte expressivo nos gastos públicos, principalmente com pessoal. Durante este um ano e meio de governo, cerca de 50 mil servidores públicos foram demitidos, o que significa milhares de famílias privadas de renda, em demissões sem indenização”, denunciou.
Por fim, alertou que, “para que os beneficiários do projeto Milei continuem ganhando, é necessário disciplinar o movimento social popular. Por isso, há uma repressão severa contra diversas mobilizações e protestos”.
A imagem da repressão contra aposentados ilustra essa realidade de forma contundente. O corte real nas aposentadorias e pensões representa quase 20% do ajuste fiscal promovido pelo governo. Ao mesmo tempo, o Estado tem reprimido sistematicamente todos esses protestos.
Por outro lado, a política de abertura irrestrita adotada por Milei permitiu a entrada de produtos importados mais baratos. No entanto, isso gerou uma perda expressiva de empregos nos setores ligados à produção nacional.
“As importações foram liberadas para pressionar a queda dos preços, mas isso está provocando o fechamento de empresas e demissões. Assim como há cerca de 50 mil demissões no setor público, mais de 130 mil trabalhadores do setor privado perderam seus empregos nesse primeiro ano e meio de governo Milei”, concluiu.